Angela Gomes escreve: É imprescindível alterar o presente para alcançar o futuro

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Publicado

07/Mai/2021 16:00 BRT

Por Angela Gomes*

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acaba de implementar medidas que reduziram significativamente o impacto tarifário dos reajustes anuais de diversas distribuidoras, as quais serão replicadas ao longo do ano às demais concessionárias, visando evitar que as tarifas subam excessivamente em 2021. A mesma busca por impactos tarifários mais suaves já havia ocorrido em 2020, quando a estruturação da Conta-Covid teve como um de seus objetivos transferir o repasse dos aumentos de Parcela A (geração, transmissão e encargos) para os anos seguintes.

Essa necessidade por ajustes nos processos tarifários de 2020 e 2021, justificados em função do cenário extraordinário trazido pela pandemia da Covid-19, configura-se como mais um sintoma de que nosso setor elétrico se encontra em profunda exaustão, pois estamos numa eterna busca por alocar custos do passado nas faturas do futuro. É, de fato, imprescindível revisitar o modelo setorial, tanto para reduzir o peso dessas “heranças malditas” sobre as tarifas, quanto para abrir caminho à transformação energética, uma onda inevitável com o potencial de trazer frutos muito positivos ao país.

Foi exatamente nesse intuito que, ainda em 2017, o Ministério de Minas e Energia (MME) realizou a Consulta Pública (CP) 33, apontando inúmeras e necessárias medidas com foco na transição para um setor mais moderno, eficiente, democrático e sustentável. Era o pontapé inicial para que o país pudesse surfar a onda 4D, com atração de vultosos investimentos.

De lá pra cá, tivemos alguns avanços, como os esforços liderados pelo MME para viabilizar as medidas infralegais da reforma, bem como a conversão em Lei da Medida Provisória (MP) 998. Entretanto, as principais mudanças estruturais discutidas na CP 33 seguem aguardando aprovação no Congresso Nacional, no Projeto de Lei 414/2021. Com isso, além de adiarmos por alguns anos a entrada dos investimentos que poderiam ter vindo com as reformas, seguimos aumentando o legado de nosso setor mal desenhado, o qual tornou-se ainda maior em função da pandemia e de suas consequências econômicas.

Esse cenário indesejável é particularmente ruim para os consumidores finais, principalmente os de menor porte e menor renda, que geralmente carregam as ineficiências do modelo. De fato, os custos associados aos encargos setoriais (saturados por subsídios), à geração destinada ao mercado cativo (que carrega, desproporcionalmente, os custos da confiabilidade de suprimento) e à transmissão seguem crescendo bem acima da inflação, pressionando as tarifas finais, que também sofrem efeitos do enorme peso do ICMS (este, relacionado às ineficiências dos governos estaduais).

Tarifas em alta num país desigual leva à dificuldade de pagamento por parte relevante dos consumidores, elevando a inadimplência e o furto de energia, num ciclo vicioso que afeta diretamente o segmento de distribuição, o que mais sofre os efeitos da demora na implementação das reformas, principalmente em função de prestar simultaneamente duas atividades bastante distintas, distribuição e comercialização, que requereriam incentivos regulatórios também distintos. A junção dessas duas atividades leva a inúmeras distorções, dentre as quais cabe citar:

  • extrema limitação das ferramentas de gestão da comercialização, com incentivos e riscos desbalanceados;
  • estrutura tarifária defasada e pouco aderente à enorme heterogeneidade do país (como ausência de sinal locacional, tarifa volumétrica na baixa tensão e sinal horário absolutamente ineficiente);
  • inadequada tarifação da Geração Distribuída, com enormes subsídios implícitos que elevam as tarifas dos demais consumidores; e
  • baixo incentivo à inovação e implementação de novas tecnologias.

Quanto aos demais segmentos, certamente também se beneficiarão da modernização, tanto devido às medidas que os impactam diretamente, quanto devido à maior sustentabilidade da atividade de distribuição, a ponta final da cadeia setorial, fundamental, inclusive, para a almejada ampliação do mercado livre. Adicionalmente, a disseminação de novas tecnologias na atividade de distribuição traz enormes ganhos de escala, com benefícios ao setor como um todo.

Em suma, a modernização do setor elétrico é urgente e inexorável, não apenas para garantir sua sustentabilidade, mas para abrir caminho a uma nova era, que atrairá investimentos ao país. É preciso aproveitar essa janela de oportunidade, principalmente considerando a vantagem competitiva do Brasil, com mais de 80 milhões de consumidores e uma vocação nata (e extraordinária) para as fontes renováveis, perfeitamente alinhada à economia zero- carbono.

Antes que seja devorado pelo passado, o futuro precisa chegar a esse nosso imenso, complexo e admirável setor elétrico, com reflexos positivos e concretos no presente, tão necessários ao país.

*Angela Gomes é consultora estratégica da PSR, foi superintendente de regulação da Light por 16 anos e foi responsável pela estratégia regulatória da Enel Brasil.


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