Wagner Ferreira escreve: O que todo mundo deve saber para não faltar energia elétrica - parte 1

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Autor

MegaWhat

Publicado

04/Fev/2022 13:32 BRT

Wagner Ferreira*

Parte 1 - Entendendo os principais pontos que colocam o sistema elétrico em risco

Caro leitor, o objetivo deste artigo, que dividiremos em duas etapas, é provocar algumas reflexões do que está ocorrendo no setor elétrico e, com senso crítico, gerar insights importantes para as mudanças que estão surgindo e que possam contribuir para as decisões que se avizinham a respeito da chamada modernização do setor elétrico, com enfoque na sustentabilidade do serviço público de energia elétrica.

O setor elétrico passa por grande transformação tecnológica. Os chamados recursos energéticos distribuídos estão na agenda do dia. Inúmeros são os pontos introduzidos em um sistema elétrico que a cada dia sofre impactos em razão dessas rápidas e incontroláveis (e necessárias) mudanças e evoluções.

O Brasil possui uma matriz elétrica privilegiada prioritariamente de fontes limpas e com baixas emissões. A intensificação da Eletrificação de veículos nos próximos anos e décadas permitirá uma matriz energética com baixíssimas emissões.

A transição energética é inexorável e a confiabilidade do sistema elétrico é igualmente importante e necessária para acomodar o conjunto de mudanças que estão sendo implementadas em função dessa transição energética.

A transição energética e a confiabilidade elétrica exigem um pensar e olhar no produto fim, que é a entrega do serviço de energia elétrica aos usuários do serviço público como um todo com qualidade, continuidade a preços justos (ou módicos).

O serviço público de energia elétrica é, em essência, bem público protegido constitucionalmente. Por isso, regras operativas, planejamento, comandos e fiscalização são realizados a partir do poder concedente e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Não é forçoso dizer que o setor elétrico e seu funcionamento é como um grande condomínio com deveres e direitos estabelecidos tanto para os seus operadores quanto para os seus usuários, equilibrados na balança da desejada segurança jurídica, legalidade e isonomia.

Regra geral, os custos regulados desse condomínio são arcados entre todos os usuários, por meio da tarifa de energia elétrica.

A tarifa de energia elétrica é um conjunto de custos sistêmicos (e eficientes, diga-se, o menor custo possível), regulados, representados pela geração de energia, transmissão de energia, encargos legais, como o da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE que somados aos tributos, atingem 80% em média da conta de energia elétrica, além da distribuição de energia (representando 20%) e que são refletidos integralmente nas faturas de energia elétrica.

Dito de outro modo, na tarifa de energia existem, além dos encargos CDE e tributos, dois principais custos: o insumo (a energia em si) e a operação do fio de alta, média e baixa tensão (transmissão e distribuição).

Ou seja, a sua tarifa de energia reflete custos de geração de energia e o serviço de transmissão e distribuição dessa energia da origem até o usuário final.

Para além das discussões atuais sobre transição energética e tudo que essa transformação tem gerado de oportunidades e negócios, é igualmente relevante paramos e refletirmos sobre a infraestrutura física que sustenta e sustentará todo esse conjunto de mudanças.

E aqui é o ponto que é preciso chamar a atenção para que todos possam observar que a infraestrutura (sistemas elétricos, equipamentos e as redes elétricas) tem participação fundamental e necessária para recepcionar adequadamente esse conjunto de mudanças ao longo dos próximos anos e décadas. Cuidemos, portanto, do todo.

E nessa ótica, vemos alguns pontos importantes e que influenciam o sistema elétrico como um todo. E para que a energia elétrica possa estar fluindo do ponto de geração até o usuário final, de forma segura e contínua, é preciso cuidarmos de todos os aspectos.

Geração Distribuída - A primeira mudança relevante decorre dos incentivos e facilidades para implantação de plantas e painéis solares, mais conhecida como geração distribuída (resolução ANEEL 482/2012 e a recente Lei 14.300, de 06 de janeiro de 2022). Grosso modo, para incentivar o modelo, o prossumidor (usuário que implanta sua própria geração) deixa de pagar os custos sistêmicos contidos na tarifa de energia elétrica e que são pagos pelos demais usuários do sistema. Imagine, por hipótese, que todos implementem geração distribuída e passem a ter o incentivo de não pagar os custos sistêmicos. Esse custo, no modelo atual, é necessário à segurança e funcionamento adequado do sistema diuturnamente (e não só nas horas de sol) para todos os usuários do serviço público de distribuição de energia. Notem aqui, a primeira distorção e que afeta a sustentabilidade do modelo atual dos custos do Sistema Elétrico, pois um conjunto relevante de usuários do sistema não pagam adequadamente pela infraestrutura e segurança do sistema elétrico, deixando, claro, para que outros paguem.

Abertura do mercado de energia - A segunda questão relevante decorre da chamada abertura de mercado, que em suma resulta na migração de um consumidor do ambiente cativo para o ambiente livre (mas não totalmente livre, pois a infraestrutura (sistemas e redes) está no conceito de um monopólio natural, por óbvio). O usuário que migra para o mercado livre passa a adquirir a sua energia (só o insumo) diretamente do gerador, escolhendo a sua fonte mais barata. Por outro lado, utiliza, totalmente, o sistema elétrico que é comum a todos, e que contém um mix de fontes mais baratas (intermitentes) e mais caras (lastro de capacidade), como a geração de ITAIPU, térmicas, nucleares e outras.

Ocorre que ao migrar para o mercado livre o usuário deixa de pagar parte desses custos que compõem a confiabilidade do Sistema Interligado deixando esse custo (condominial, por assim dizer) para os demais usuários cativos que não podem ou não migrarão.

Os estudos e a experiência internacional em países mais desenvolvidos demonstram dados que pelo menos 50% dos usuários (mesmo com o direto de migração), não migram, em especial por questões sócio econômicas.

Não é difícil compreender que o modelo atual de migração do mercado cativo para o mercado livre está muito mais amparado em fuga de custos regulados (que os cativos pagam) do que propriamente uma competição firme entre as várias fontes.

Perdas de energia – Anualmente algo em torno de R$ 10 bilhões (10% da sua tarifa de energia, aproximadamente) são literalmente perdidos em função dos furtos e desvios que ocorrem na rede elétrica.

As dificuldades sociais e complexidades do País associadas a ausência de uma estratégia adequada de política pública para o tema (sem integração entre os poderes e órgãos, sem engajamento e compromisso da sociedade) nos levam a concluir que o desafio de prevenção, combate, orientação e punição nos levará a ter grandes desafios para cobertura desse custo decorrente dessa mazela social.

Vale dizer que o custo decorrente desse furto é assumido pelo usuário do serviço público no limite regulatório e pela distribuidora naquilo que superar o limite regulatório.

Leis Invasoras de competência que alteram as regras de funcionamento do setor – Esse é um outro elemento que desnatura e gera ineficiências (aumento de custos) no serviço de energia elétrica, pois órgãos que não são os responsáveis pelo planejamento e funcionamento do setor elétrico editam e publicam leis, estaduais ou municipais, que alteram as regras de funcionamento do setor elétrico, criando novas regras de suspensão ao fornecimento de energia, cobrança, pagamento, taxas, dentre outros, o que gera absoluto desequilíbrio nesse sistema elétrico interligado e que possui um planejamento e operação integrados, e que no fim do dia são financiados pelo próprio usuário do serviço público.

Na próxima etapa deste artigo, aqui na Megawhat, daremos sequência ao tema ao abordar o que é preciso fazer para garantir que o sistema elétrico esteja funcionando adequadamente. Confira! #SegueOfio

*Wagner Ferreira é advogado com mais de 15 anos de experiência no setor elétrico e diretor Institucional e Jurídico da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)

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