Rodrigo Ferreira escreve - Texas: preço e competitividade

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Publicado

06/Out/2023 15:30 BRT

Por: Rodrigo Ferreira*

Sábado, 23 de outubro, parti rumo ao aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, com destino a cidade de Houston, no Texas, conhecida como a capital mundial da energia. Na bagagem, carregava 47 páginas de warmup report sobre o mercado texano, preparadas com propriedade pelo Alexandre Viana e Victor Ribeiro, da Thymos.

O objetivo da viagem foi integrar a comitiva de quase 40 profissionais que embarcaram na missão da Abraceel para conhecer o arrojado mercado do Texas. Já durante a leitura no voo, percebi claramente que, a cada milha percorrida, me aproximava de um mercado moderno, orientado pela competição varejista e por adequados sinais de preço. Racionalidade pura.

Ainda voando, descobri que o Texas é um sistema praticamente isolado do restante dos EUA e isso se deve, em um primeiro momento, ao desejo “cowboy” de liberdade e autonomia frente à regulamentação federal. Um mercado de 29 milhões de habitantes com demanda-pico de aproximadamente 86 GWmed. Nessa hora parei, e reli: incrível o consumo per capita desse mercado. No Brasil, 220 milhões de habitantes têm demanda-pico de 96 GWmed. Ao desembarcar entendi bem o porquê: um ser humano normal não pode viver lá, a maior parte do ano, sem o ar-condicionado.

Quem dá as cartas no mercado elétrico do Texas é a PUCT (Public Utility Commission of Texas), fazendo o papel de regulador e fiscalizador, e uma entidade privada que agrega as funções do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE): o ERCOT (Electric Reliability Council of Texas), operando o segundo maior mercado americano, com 700 geradores totalizando 156 GW instalados, majoritariamente, por gás natural (43%), eólica (27%) e carvão (13%), 85 mil km de linhas de transmissão, 136 comercializadores varejistas e 26 milhões de consumidores livres, industriais, comerciais e residenciais.

Feitas as apresentações iniciais, e sem querer elencar números e mais números, me limitarei a passar minhas impressões do que vi por lá. As missões anuais internacionais da Abraceel têm o objetivo de aproximar nosso mercado de outros mercados desenvolvidos de energia. Com o cuidado de não limitar o entendimento desses mercados aos que puderam estar presentes, vamos nos próximos meses realizar uma série de ações no sentido de disseminar o conhecimento que ganhamos: a Thymos Energia produzirá um white paper, a Megawhat vai elaborar uma série de conteúdos, teremos apresentações na reunião de Planejamento Estratégico da Abraceel e no Encontro Anual do Mercado Livre e vamos, com nossos associados, identificar bem o que pode ser importado do Texas para o mercado brasileiro. Então, deixemos os números para outras oportunidades.

Quem se aprofunda nesse mercado sai com a percepção clara de que o grande drive, o mindset geral, é a racionalidade, a competição e a tecnologia. O mercado livre de energia no Texas é acessível a quase todos os consumidores, totalizando cerca de 90% do mercado texano (algumas poucas cidades ainda permanecem com estruturas verticais de atendimento via monopólio). Três principais varejistas controlam 54% do mercado e o restante é dividido por múltiplas empresas com participações que chegam a 5%. Para o CEP do nosso hotel em Houston, por exemplo, constavam 143 ofertas de energia pelo site Powertochoose, mantido pelo regulador local.

Em 2005, uma lei incentivou a instalação de medidores inteligentes com o objetivo de promover o poder de escolha do consumidor e programas de resposta da demanda, que hoje somam 5 GW, colocando, definitivamente, o consumidor no centro do negócio de energia local. Smart meters atualmente atingem entre 60% e 80% da população. Nesse ambiente, dados são fundamentais e estão acessíveis em um portal na internet de forma que o consumidor tenha acesso e possa disponibilizá-lo facilmente.

Foi muito interessante assistir a palestra do distribuidor local e ver uma distribuidora sendo distribuidora. O foco ali está na infraestrutura de rede, na modernização, medição inteligente, agindo como facilitadora da competição e integradora das fontes renováveis variáveis, que por lá também geram desafios. Eólicas e solares crescem em ritmo acelerado e demandam desafios da rede similares aos do Brasil. Nesse ambiente opera um mercado de serviços ancilares com múltiplos produtos com funções e objetivos diversos, com importante participação das baterias que já somam 3 GW com potencial de atingir em breve cerca de 20 GW.

Em linhas gerais, o desenho de mercado é de preço por oferta, sem que nenhum gerador possa deter mais de 20% da oferta, com lógica nodal (1.600 pontos), negociação de direitos de receita de congestionamento, negociações bilaterais, leilões para o dia seguinte e em tempo real. Estima-se que hoje 85% do mercado seja financeiro e 15% físico.

Sem dúvida alguma, o espírito desafiador e a busca pela liberdade individual no Texas criaram um mercado capaz de absorver, na essência, toda a tecnologia hoje disponível para o novo mundo da energia elétrica. Baterias, medição inteligente, mobilidade elétrica, solar, eólica, mercado livre, resposta da demanda e digitalização de dados convivem numa boa, empoderando o consumidor e os colocando numa posição de vanguarda. Tudo isso proporcionou ao Texas ser o segundo Estado com a maior redução do preço da energia entre 2010 e 2019 e com a maior redução dentre os Estados liberalizados. Do mais, vivemos por lá bons momentos, com muito brisket e piano. Aliás, até no piano eles duelam. Mas essa é outra história.

*Rodrigo Ferreira é presidente-executivo da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel).


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