Opinião da Comunidade

Jéssica Guimarães escreve: Efeitos da contratação compulsória imposta pela lei de desestatização da Eletrobras

Jéssica Guimarães escreve: Efeitos da contratação compulsória imposta pela lei de desestatização da Eletrobras



Por: Jéssica Guimarães*

Um dos jabutis mais criativos já impostos por Lei, por desvirtuar totalmente do objetivo final da referida norma, a contratação compulsória de 8 GW de usinas termelétricas, com destinos já pré-programados, surgiu em meio a um propósito necessário ao setor – a desestatização da Eletrobras.

Contudo, como no setor elétrico nem tudo são flores, e as moedas de troca não são baratas, em meio a uma boa ideia sofremos os efeitos colaterais. Um dos mais perversos é o efeito aos consumidores, que irão arcar com o custo de tal contratação compulsória.

A Lei nº 14.182/2022 trouxe consigo, em um dos maiores parágrafos já vistos em Lei, a imputação da contratação de um montante expressivo, com definição de quantidade por localidade. A redação definiu que serão contratados 2,5 GW na região Norte, 2,5 MW na região Centro-Oeste e 1 GW na região Nordeste, sendo especificado ainda mais onde tais térmicas estarão, pois, esses empreendimentos deverão se localizar em capitais ou regiões metropolitanas que não tenham suprimento de Gás Natural. E ainda, para a região Sudeste, teremos a contratação de 1,25 GW, sem tal restrição, além de especificadamente mais 750 MW na área da Sudene, que não tenha suprimento de gás.

Tais gerações estarão disponíveis para o sistema a partir de 2027, escalonando a cada ano, até os 8 GW de disponibilidade total.

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A contratação de tal montante se dará por meio de energia de reserva, com uma geração inflexível anual de 70%, ou seja, as usinas deverão gerar, no mínimo, 70% do tempo no período de 1 ano.

Em contrapartida, os consumidores serão os responsáveis por arcar com os custos dessa contratação, custo que lhes foi imposto, sem averiguação da necessidade dessa energia, por meio do pagamento de uma Receita Fixa mensal aos geradores que se sagrarem vencedores.

Custo este que será expressivo, somando aos demais encargos bilionários do setor, chegando a um valor de R$ 20 bilhões a partir de 2031, ou R$ 25/MWh, fazendo com que o consumidor conviva por mais de 10 anos com essa rubrica na conta, podendo chegar, a depender das atualizações de Receita Fixa, a valores próximos aos custos da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, que chegou, em 2022, a um valor total de R$ 32,09 bilhões.

Além dos custos, que são bastante expressivos, teremos uma influência dessa geração no preço de curto prazo, pois, com um montante tão alto contratado com uma inflexibilidade de 70%, teremos essa geração compulsória na base, sendo que, nos modelos computacionais, essa geração é abatida da carga, restando uma carga menor para ser suprida com outras fontes mais baratas, o que faz com que o preço de curto prazo, o PLD, seja artificialmente reduzido.

Outro problema já relatado pela Abrace em suas contribuições a este Leilão, é em relação a necessária constituição de lastro contratual para evitar a propagação de problemas e impactos já existentes que dificultarão ainda mais a busca por uma solução que possa mitigá-los.

Pois, chegou-se à conclusão que a energia de reserva desloca o Mecanismo de Realocação de Energia – MRE. Já que, por ser uma energia que não constitui lastro e majoritariamente é composta por fontes renováveis, que são despachadas prioritariamente na matriz, isso faz com que as usinas hidrelétricas deixem de gerar, incorrendo consequências para essas usinas no MRE.

Com a entrada das “Térmicas da Eletrobras” o problema do GSF irá degradar a geração das hidrelétricas no longo prazo, amplificando assim o problema do lastro dessas usinas.

E ainda, com a não constituição de lastro, o consumidor será duplamente penalizado, pois pagaria por toda essa energia por meio do encargo setorial, e ainda teria que contratar o mesmo montante de energia (lastro), no mercado, pagando então duas vezes pelo mesmo produto.

Vemos que, além dos custos elevados a serem arcados por todos os consumidores, teremos desdobramentos que impactarão os demais agentes do setor, sendo por redução artificial dos preços de curto prazo, ou por agravar ainda mais o problema do GSF, que é uma novela antiga do setor.

Medidas urgentes precisam ser tomadas para que tais efeitos colaterais não venham a agravar ainda mais um setor que busca por uma modernização em várias áreas, mas que continua contratando energia compulsória, sem necessidade e com custos exacerbados, afetando assim, o planejamento setorial como um todo.

* Jéssica Guimarães é analista de energia da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia de Consumidores Livres (Abrace)

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