Por: Daniel Sindicic*
Tendência global cada vez mais concretizada, a geração sustentável de energia a partir de fontes renováveis parece um caminho sem volta, para o bem da humanidade e do meio ambiente. No Brasil, por nossa abundância em recursos naturais, temos uma posição privilegiada nesse sentido frente a países europeus, norte-americanos e asiáticos. No entanto, curiosamente, a adoção de fontes renováveis parece caminhar na contramão do esperado por aqui.
Dados do último Anuário Estatístico de Energia Elétrica[1], considerando o ano base 2021, apontam um índice preocupante: as emissões de gases de efeito estufa (GEE) provenientes da geração elétrica no Brasil aumentou 45%. O total de emissões de GEE no Sistema Interligado Nacional (SIN) aumentou 82% entre 2020 e 2021, com destaque para o gás natural (+68,8%) e carvão (+61%). As fontes que apresentaram queda no período foram a geração hidráulica e a termelétrica a partir de biomassa, com reduções de 8,5% e 7,0% respectivamente.
Por outro lado, a maior expansão proporcional ocorreu na geração solar, que fechou o ano de 2021 com um aumento na potência instalada de 40,9% em relação ao ano anterior, ressaltando que em 2020 houve um aumento de quase 33% em relação ao ano de 2019.
Ou seja, se por um lado estamos reduzindo a geração de energia a partir de uma fonte renovável como a termelétrica, aumentamos o consumo de recursos não renováveis, como o carvão e o gás natural. O aumento na adoção da energia solar, em grande parte incentivado por políticas públicas, parece ser uma vitória, no entanto a conta ainda não está fechando com saldo positivo. Estaríamos andando em círculos?
O fato é que temos o potencial e precisamos de uma coalização social que caminhe de mãos dadas, unificando os setores empresarial, governamental, acadêmico e cidadãos no objetivo de transformar de fato nossa matriz energética em sustentável na sua maior parte. Talvez um fator que contribua para essa estagnação na transformação da matriz de forma definitiva seja a falta de previsibilidade de fatores ambientais que impactam na geração da energia de fontes renováveis, como o vento, a água e o sol, conforme comentou Talita Porto, vice-presidente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, recentemente à imprensa.
Enquanto isso, temos à nossa frente um potencial inesgotável para geração de energia limpa e que, além disso, ajuda a resolver outro problema grave que é a gestão de lixo: a geração e valorização de energia a partir de resíduos sólidos. Nosso país gera mais de 82 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos ao ano, o que representa cerca de 390 kg por habitante, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, relatório produzido pela Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Público e Resíduos Especiais[2]).
Trata-se de um volume assombroso e crescente de lixo gerado pelos municípios brasileiros, problema mais grave ainda onde o consumo de energia é maior: nos grandes centros urbanos. A maior parte desse lixo ainda é destinada de forma irregular a lixões, locais sem preparo para receber resíduos e que acabam gerando poluição de solo e atmosfera onde são instalados, ou simplesmente jogada a céu aberto em ruas, terrenos baldios ou rodovias, representando um desafio colossal para a administração pública.
A partir dos resíduos gerados pela sociedade é possível gerar energia limpa, por meio do processo de tratamento térmico. As chamadas URE (usinas de recuperação energética) já são realidade na Europa e EUA, são mais de 1.300 URE’s, justamente onde há maior dificuldade de acesso a fontes renováveis, e há projetos em andamento para a instalação de usinas desse tipo no Brasil, em processo de captação de investidores. Com usinas de transformação de lixo em energia em operação, teríamos uma matriz muito mais diversificada e um espaço ambiental cada vez mais limpo, sem deixar de lado as fontes renováveis, porém complementando-as com mais um aliado importante na batalha pela sustentabilidade. A URE torna-se também uma alternativa inteligente frente a logística dos lixos gerados grandes cidades e/ou regiões de concentração populacional, em que temos cada vez menos espaço, o que dificulta a possibilidade de novos aterros sanitários. Além disso, essa modalidade de energia renovável é recomendada pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), trazendo muitos impactos positivos para o clima e na geração de empregos diretos e indiretos.
* PhD. Daniel Sindicic, doutor em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo. CEO do Grupo LARA e consultor técnico de desenvolvimentos de projetos Waste-to-Energy. Professor do MBA Recuperação Energética e Tratamento de Resíduos da FGV.
[1] Anuário Estatístico de Energia Elétrica: http://shinyepe.brazilsouth.cloudapp.azure.com:3838/anuario-livro/#Destaques
[2] Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil: https://abrelpe.org.br/panorama-2021/
Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.
As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.
Leia mais:
Marvin Menezes, Rafaela Rocha e Manuela Correia escrevem: A nova regulação da geração distribuída
Agnes da Costa escreve: O desconforto com o Dia das Mulheres
Luan Vieira escreve: O problema do GSF nunca foi resolvido, apenas remediado