A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Federal junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entraram com novo recurso questionando a liminar que suspendeu o PLD mínimo a pedido da Enercore, desta vez no Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que a decisão do desembargador federal Daniel Paes Ribeiro pode causar “grave lesão à ordem pública”, ao violar a dinâmica regulatória, com potenciais efeitos prejudiciais inclusive na relação diplomática entre Brasil e Paraguai.
Tecnicamente, trata-se não de um recurso, mas de um pedido de suspensão de tutela de urgência em relação à decisão anterior, que foi concedida no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), uma instância interior. O pedido partiu da União, e não mais da Aneel, pelo entendimento de que a decisão em questão tem efeitos direto nas políticas públicas energéticas do país.
No documento, ao qual a MegaWhat teve acesso, a AGU explica que a liminar em questão subverte as normas de formação do PLD, ao distorcer “por completo” o seu funcionamento, com efeitos no mercado de curto prazo “em beneficio de poucos e em detrimento dos interesses difusos de todos os agentes e consumidores do Setor Elétrico Brasileiro”.
Como a Aneel entende que a decisão valeria apenas para a Enercore, que teria um PLD diferente dos demais agentes, o recurso alega que a comercializadora teria um “trunfo comercial, maximizando seu lucro, em concorrência desleal com os demais agentes comercializadores”.
Briga judicial
Na semana passada, no dia 30 de março, o TRF1 rejeitou o recurso da Aneel e determinou o “imediato cumprimento da decisão”, sob pena de multa diária. No dia 31 de março, a Enercore pediu que a Aneel e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) fossem intimadas a cumprir a decisão, o que esbarra em problemas técnicos, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem.
A metodologia do piso do PLD considera, desde 2003, o custo de geração da energia de Itaipu, e desde 2019 está vigente uma resolução que determina que o PLD mínimo de cada ano será definido pelo maior valor entre a TEO de Itaipu e a TEO das demais hidrelétricas do sistema. Ano passado, o assunto virou polêmica, depois que a TEO Itaipu ficou acima do esperado pelo mercado, muito por conta da inflação dos Estados Unidos, e levou o PLD ao piso de R$ 69,04/MWh.
A decisão do TRF1 suspendeu os efeitos da TEO Itaipu no preço, mas não disse qual deveria ser o novo PLD mínimo, o que levou a Aneel a questionar a decisão. Na sequência, o desembargador explicou que, ao suspender o efeito da TEO Itaipu, entendia que ficaria vigente a TEO das demais usinas do sistema, fixada em R$ 15,05/MWh para este ano.
A declaração do desembargador, contudo, remeteu a um artigo do Decreto 5.163/2004, que fala que o PLD mínimo deve considerar “os custos de operação e manutenção das usinas hidrelétricas, bem como os relativos à compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos e royalties”. Como apenas Itaipu paga royalties, veio o entendimento de que a própria decisão se anulava.
Além disso, a AGU reiterou na peça ao STJ que para que o mercado de eletricidade funcione de forma competitiva e justa, o PLD deve ser o mesmo para todos os agentes, e deve remunerar os custos do Decreto 5.163/2004, o que inclui os royalties de Itaipu, além dos custos de operação e manutenção das hidrelétricas do sistema, e os custos relativos à compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos.
Segundo o documento, “é evidente que tais custos englobam todas as usinas hidrelétricas do sistema brasileiro, considerando, inclusive, as particularidades da Usina de Itaipu Binacional, de acordo com os custos específicos de cada uma delas”.
Efeitos diplomáticos
A diferença no cálculo da TEO Itaipu e a TEO das demais usinas é reflexo de determinações do Anexo C do Tratado de Itaipu, que dispõe sobre as clausulas econômico-financeiras do tratado, que devem ser observadas pelo Brasil e pelo Paraguai. Por isso, a AGU afirma que não há ilegalidade na resolução da Aneel de dezembro de 2022, que fixou os valores mínimo e máximo do PLD de 2023.
O documento cita ainda uma nota técnica do Ministério de Minas e Energia que fala que a boa gestão da usina de Itaipu passa pelo ambiente de harmonia e normalidade do relacionamento entre os países envolvidos, seguindo à risca o Tratado Internacional.
Assim, a judicialização do tema, segundo o MME, poderia colocar em risco o processo de revisão do Anexo C, previsto para este ano, com potencial de “impedir a materialização de considerável redução da tarifa de energia para o consumidor final, em virtude da extinção do encargo da amortização paraguaia e o subsequente repasse ao mercado brasileiro”.
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