Por: Vitor Sarmento de Mello; Elise Calixto Hale Cristal; Caio José de Oliveira Alves; Gabriel dos Santos Rocha*
Resumo:
Em decisão recente, na qual reconheceu a um gerador em atraso o direito de não pagar encargos retroativos de Contrato de Uso do Sistema de Conexão (CUST), a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) afirmou pela necessidade de aprimoramento das regras que estabelecem a obrigatoriedade de pagamento de encargos retroativos.
Conteúdo:
O Módulo 5 (Acesso ao Sistema), das Regras de Serviços de Transmissão de Energia Elétrica (RSTEE), o qual estabelece no item 4.3.8 que “as datas para contratação do uso que constarão dos CUST celebrados deverão compreender o período de testes do USUÁRIO e não poderão ser posteriores àquelas estabelecidas no ato de sua outorga”. Uma leitura restritiva da norma, incidiria em afirmar que não é possível assinar o CUST com vigência posterior à relativa a entrada em operação em testes, de forma que sempre seria necessário arcar com encargos retroativos.
Ao aplicar a regra, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) se vê como impedido de emitir Parecer de Acesso e de firmar o CUST com data diferente da prevista na outorga, o que na prática estava inviabilizando a entrada em operação e a injeção de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN) por agentes com atrasos.
Como regra geral, a ANEEL admite a isenção dos custos retroativos somente para aqueles que obtém decisão de reconhecimento de excludente de responsabilidade e, com isso, tenham os prazos de outorga postergados, o que implica, invariavelmente, em postergar a data prevista para entrada em operação em testes, concomitante aos demais marcos da outorga.
Nesse contexto, para além dos diversos desafios de implementação dos projetos, é sabido que mais recentemente diversos geradores foram impactados por efeitos decorrentes da pandemia de Covid-19. Há ainda casos de impactos decorrentes, como os de extensão do tempo de avaliação de processos ambientais e em questões que, embora não sejam diretamente causadas pelo vírus, implicaram em atrasos nos cronogramas das outorgas e estão alheios atuação do empreendedor. Em muitos casos, a ANEEL reluta em reconhecer excludente de responsabilidade.
Sem que seja reconhecida a excludente, somente é possível assinar o CUST caso o agente decida arcar com encargos retroativos, valores relativos ao lapso da data prevista na outorga para o início das operações em teste e a data de efetivo início da operação.
Nada obstante, reconheça-se excludente de responsabilidade ou não, é fato que não pode se inviabilizar a conexão à rede, por conta de uma leitura normativa restritiva, de modo a impactar o início da operação desses empreendimentos. Ainda que com atraso em relação à data estabelecida no ato de outorga, uma vez disponível para entrar em operação, deve ser efetivado o direito de acesso à rede e, ademais, ser privilegiada a injeção de energia nova. A regulação, nesse sentido, mesmo quando diante de atrasos eventualmente irrefutáveis, deve encontrar a forma de solucionar o impasse regulatório.
Tal questão ganhou os holofotes quando da Reunião Pública Ordinária (RPO) da Diretoria da Aneel do dia 22/03/2022, ainda com enfoque Resolução Normativa (REN) 666, de 2015, art. 5º, §3º – cujo teor é de igual sentido ao do Módulo 5, do RSTEE.
Ao tratar de um pedido de não pagamento dos encargos retroativos, requerido pelas usinas fotovoltaicas (UFVs) Mundo Novo, o Diretor-Relator Sandoval Feitosa – atual Diretor-Geral da Agência – apresentou voto no sentido de acolher posicionamento técnico da Superintendência de Regulação dos Serviços de Transmissão (SRT). Diante disso, o Relator propôs interpretar a vigente REN nº 666/2015 de modo que o CUST pudesse ser assinado de acordo com a disponibilidade de ponto de conexão e de acordo com o seu cronograma físico-real de entrada em operação, independentemente dos prazos previstos na outorga.
Destacou-se na oportunidade que o empreendedor assumiria o risco de ter de readequar seu projeto de conexão, para outro ponto, se quando da efetivação do CUST o inicialmente pensado não estivesse disponível. Afinal, a única forma de reservar o ponto, seria através da celebração do CUST. Também se frisou que esse atraso embora não pudesse impedir a conexão do agente, poderia sujeitá-lo a processos fiscalizatórios e eventuais sanções.
A proposta, contudo, não prosperou. Após a apresentação de voto-vista do Diretor Hélvio Neves – para o qual também pesou um pedido de revogação das autorizações das UFVs – a decisão final da ANEEL foi por manter a regra vigente. Estabeleceu-se, contudo, que o ONS estaria autorizado a permitir que os agentes de geração assinem o CUST a qualquer tempo, mas sempre com vigência relativa à data do período de entrada em testes da geração, ou seja, hipótese em que deve arcar com os encargos retroativos.
Embora esse posicionamento tenha prevalecido, não é adequado se falar de encargos retroativos se não houve CUST assinado. Em caso de CUST descumprido ou rescindido, o não pagamento dos encargos implica em rateio desses montantes entre os demais usuários do sistema; nas demais hipóteses, não é razoável assim compreender.
O fato é que mais recentemente, então em 13/09/2022, foi avaliado um outro caso, que colocou novamente em cheque a viabilidade do item 4.3.8 do Módulo 5, das RSTEE (de novo, cuja redação foi mantida similar à da REN nº 666/2015) ser mantido da forma como está.
Nesse segundo caso, a Diretoria da Aneel acatou pedido de gerador, o qual – apesar de descumprir o prazo de sua outorga e não ter conseguido reconhecimento por parte da ANEEL de excludente de responsabilidade – buscava assinar o CUST com vigência de acordo com sua previsão real de entrada em operação; em outras palavras: sem que tivesse que arcar com os encargos retroativos à data prevista na outorga.
A particularidade estava no fato do agente ter assinado CUST anteriormente, o qual foi rescindido pelo ONS e que levou à uma confissão de dívida dos encargos rescisórios. No requerimento do gerador, argumentou-se que os valores incorporados na rescisão são voltados a ressarcir o sistema por investimentos realizados, ou seja, trata-se de cláusula penal compensatória, que por sua vez possui parcela relativa aos Encargos de Uso do Sistema de Transmissão – EUST.
Desse modo, uma eventual decisão de cobrança retroativa dos encargos, para quem teve um CUST anterior, implicaria em exigir o pagamento em duplicidade de EUSTs. Nesse caso, a SRT recomendou que o pedido fosse acatado. Em sua relatoria, o Diretor Ricardo Lavorato Tili acolheu a posição da SRT e, ademais, votou no sentido de que o agente poderia assinar o CUST com data de vigência futura, de acordo com sua previsão real de conclusão da implantação. Esse voto foi acolhido por unanimidade.
De todo modo, a Diretoria destacou a necessidade de revisão do Módulo 5, de modo a solucionar seus atuais impasses. O tema está registrado como TRA21-30 na sua Agenda Regulatória 2022-2023, sob a denominação “ acesso à transmissão no cenário de expansão de geradores renováveis”. O processo está na relatoria do Diretor Hélvio Guerra.
Para além de discutir a possibilidade de assinatura de CUST em data divergente com a outorga, o ponto crucial nessa discussão de revisão da norma estará em definir desnecessidade ou não do pagamento retroativo dos EUSTs à data prevista na outorga, caso não tenham disso feitos os investimentos na rede por parte das transmissoras responsáveis.
*Vitor Sarmento de Mello; Elise Calixto Hale Cristal; Caio José de Oliveira Alves; e Gabriel dos Santos Rocha, são advogados do regulatório de energia do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.
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