Opinião da Comunidade

Pâmela Gottardini e Pamela Ramagnoli escrevem - ADI 428: Impactos às distribuidoras e adquirentes de energia no mercado livre

Pâmela Gottardini e Pamela Ramagnoli escrevem - ADI 428: Impactos às distribuidoras e adquirentes de energia no mercado livre



Por: Pâmela Gottardini e Pamela Vieira de Souza Ramagnoli*

À luz da Portaria SRE 14/2022, que regulamenta as obrigações acessórias de aquisição de energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre (ACL) em São Paulo, cumpre uma reflexão sobre os impactos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4281 (ADI 4281).

A ADI foi ajuizada pela Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), questionando a constitucionalidade do artigo 425, I, ‘b’ do Decreto nº 54.177/2009, Regulamento de ICMS de São Paulo (RICMS/SP), que determina que o ICMS incidente sobre a aquisição de energia no ACL deveria ser recolhido pelo distribuidor, na qualidade de substituto tributário.

A gestão das aquisições de energia no ACL foi regulada pela Portaria CAT 97/2009 que impôs obrigações acessórias aos players do setor, entre as quais a obrigação ao adquirente de emitir Declaração do Valor de Aquisição da Energia em Ambiente de Contratação Livre (DEVEC).

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O cálculo do ICMS devido pela aquisição de energia no ACL estava atrelado às informações constantes da DEVEC para a aferição do preço médio de aquisição de energia no mês. Na sua ausência ou caso “não mereça fé”, a legislação previa que a base de cálculo do ICMS seria o preço praticado pela distribuidora em mercado regulado.

Nesse contexto, a Abraceel fundamentou a ADI 4281 na violação do princípio da legalidade tributária, pois inexiste lei autorizando a atribuição de responsabilidade tributária às distribuidoras; e do princípio da livre concorrência, pois o regime de substituição tributária impôs obrigação de informação pelos adquirentes à distribuidora do valor da energia contratada das comercializadoras.

A associação alegou, ainda, que a legislação desvirtuava a base de cálculo do ICMS, pois caso inexista DEVEC ou esta não mereça fé, a base de cálculo seria aferida com base no preço regulado praticado pela distribuidora, que não condiz com a grandeza econômica perseguida pelo imposto.

O STF julgou procedente a ADI 4281, reconhecendo a inconstitucionalidade da atribuição de responsabilidade como substituto tributário sem existência de lei, além de reconhecer que a alocação de contribuinte como substituto tributário depende de sua vinculação direta ao fato gerador da obrigação tributária, o que não se aplica às distribuidoras.

Em resposta à decisão do STF, o Estado de São Paulo editou o Decreto 66.373/2021, alterando o regime tributário no ACL, atribuindo a responsabilidade pela apuração e recolhimento do ICMS à comercializadora, quando a energia for destinada a consumidor final; e ao adquirente, quando a comercializadora estiver localizada em outro estado.

À primeira vista, as mais impactadas são as distribuidoras, pois deixaram de ser responsáveis pelo recolhimento do ICMS nessas operações. Contudo, com a Portaria SRE 14/2022 ficou evidente que os impactos da ADI 4281 afetaram também os adquirentes que, entre outros pontos, não mais estão obrigados a cumprir determinadas obrigações tributárias como a DEVEC.

Emissão de DEVECs

Ambos os normativos produzirão efeitos a partir de abril de 2022, data em que os adquirentes de energia no ACL deixarão de ser obrigados a emitir DEVECs.

Mas por que a revogação da obrigatoriedade de emissão de DEVEC é relevante? Afinal, a princípio, a emissão da DEVEC não deveria trazer impactos aos adquirentes, pois se trata apenas de uma obrigação.

Contudo, o afastamento de tal obrigação salvaguarda os adquirentes de potenciais exposições tributárias as quais estavam expostos como a cobrança solidária do ICMS devido nas aquisições de energia elétrica no ACL, acrescido de juros e multa.

Isso porque, no antigo regime tributário, caso os adquirentes emitissem DEVECs com informações equivocadas por qualquer razão, mesmo que por atrasos pela distribuidora na entrega das contas de energia, estavam expostos à cobrança do ICMS recolhido a menor pela distribuidora.

Inclusive, autuações foram lavradas pela Sefaz/SP em face de adquirentes, por solidariedade diante de concorrência à sonegação, por suposta transmissão de dados falsos acerca da aquisição de energia elétrica em ACL.

Além da extinção da DEVEC, a portaria prevê a possibilidade de adesão a Regime Tributário Simplificado pelos adquirentes de energia no ACL, que os dispensa da entrega de Guia de Informação e Apuração do ICMS e da adoção de Escrituração Fiscal Digital (EFD).

Conclui-se que a modificação do regime de tributação de energia no ACL não apenas impacta as distribuidoras, como poderá resultar na simplificação do cumprimento das obrigações e redução de riscos tributários aos adquirentes.

*Pâmela Gottardini, é sócia do escritório Mattos Filho e Pamela Vieira de Souza Ramagnoli, é advogada do escritório Mattos Filho

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