Danielle Valois e Gabriela Fischer escrevem: Brasil pode largar na frente na corrida pelo hidrogênio

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Publicado

11/Jun/2021 17:00 BRT

Por: Danielle Valois e Gabriela Fischer*

O hidrogênio não é uma novidade. Em 2018, o mercado global movimentou 15 milhões de toneladas do produto no valor aproximado de 135,5 bilhões de dólares. Contudo, mais de 90% deste hidrogênio é produzido a partir de combustíveis fósseis, mais precisamente do gás natural, e sem a captura de carbono.

Esse é o chamado hidrogênio cinza e seu processo de produção emite gases do efeito estufa. Além disso, hoje, as formas de uso do hidrogênio são limitados basicamente à prática industrial, na produção de amônia, metanol e na indústria do aço. Assim, apesar do hidrogênio em si ser um "gás limpo", não emitindo gases do efeito estufa quando queimado, o seu processo produtivo hoje é poluente.

A aposta para o futuro, contudo, é no hidrogênio produzido a partir de fontes limpas e na ampliação do seu uso para fins energéticos. Esse é o hidrogênio verde, produzido a partir da eletrólise da água utilizando energia renovável, e que tem se destacado especialmente na Europa. O continente, entretanto, não conta com os recursos naturais necessários para atingir suas metas de carbono neutro.

Em julho de 2020, a Comissão Europeia emitiu o 2030 EU Hydrogen Strategy, primeiro documento a detalhar o papel central do hidrogênio na economia do bloco. A meta é passar da atual capacidade instalada de eletrólise de 0.1GW para 6GW até 2024 e 40GW até 2030, com investimentos de até 400 bilhões de euros até o final do período.

Nesse contexto, o hidrogênio verde tem sido visto como essencial para a descarbonização da "última milha", ou seja, os últimos 10-20% de descarbonização necessários para atingir a neutralidade na emissão de carbono, que envolvem os setores de difícil descarbonização como transporte, indústrias que demandam alta temperatura e geração de energia elétrica.

Existe hoje um impulso na demanda do hidrogênio verde ao redor do mundo, com a possibilidade de criação de um mercado internacional. A Alemanha, por exemplo, anunciou um pacote de 9 bilhões de euros para projetos de hidrogênio verde, dos quais 2 bilhões serão destinados a parcerias com outras nações, que posteriormente exportarão de volta para aquele país o hidrogênio produzido por elas.

Por ser uma novidade para todos, quem tem tradição na geração de energia renovável larga na frente na competição pelo novo mercado de hidrogênio verde. Por seu histórico na área – os renováveis já respondem por mais de 80% da nossa matriz elétrica –, o Brasil tem sido visto como uma grande aposta na América Latina e tem potencial para ganhar um papel de destaque no cenário internacional. Além disso, a posição geográfica, especialmente do Nordeste, nos favorece pela proximidade com Europa e América do Norte.

Apesar da profusão de projetos pilotos sendo anunciados ao redor do mundo, ainda existem desafios tecnológicos a serem vencidos para que a produção atinja competitividade em larga escala. Para a exportação, a liquefação do hidrogênio também pode ser um entrave, já que demanda baixíssimas temperaturas e criogenia. Outro gargalo é o custo da produção, sobretudo se comparado com o cinza. A previsão da International Renewable Energy Agency (Irena) é que a fonte atinja competitividade de preço a partir de 2030.

A exemplo do que foi feito com os renováveis, considerando a abertura de um novo mercado e os vultuosos investimentos, a expectativa é que o setor necessite de subsídios e incentivos por parte dos governos para que as decisões finais de investimento dos projetos sejam tomadas.

Na América Latina, o país mais à frente das discussões é o Chile. Em novembro de 2020, os chilenos lançaram a sua Estratégia Nacional de Hidrogênio Verde e o governo planeja um financiamento público na ordem de 50 milhões de dólares. Dois projetos pilotos estão sendo implementados, um no Norte e outro no Sul do país.

No Brasil, as discussões também estão evoluindo. Em dezembro de 2020, o Ministério de Minas e Energia emitiu o Plano Nacional de Energia 2050 dedicando um capítulo ao hidrogênio, considerando a produto tecnologia disruptiva capaz de mudar significativamente o mercado de energia.

Neste ano, o Conselho Nacional de Energia Política Energética (CNPE) emitiu uma resolução orientando que ANP e Aneel priorizem a destinação de recursos de PD&I para o setor de hidrogênio. Mais recentemente, o CNPE determinou que o MME, em cooperação com os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações e Desenvolvimento Regional e com o apoio técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apresente até meados de julho a proposta de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio.

Em paralelo aos esforços do Governo Federal para desenvolver a estratégia do país, uma série de projetos piloto estão sendo divulgados. O Ceará anunciou um hub de hidrogênio verde no porto de Pecém em parceria com a australiana Enegix Energy. A projeção do investimento é de aproximadamente 5,4 bilhões de dólares, incluindo a construção de uma planta de eletrólise.

Outro projeto de hidrogênio verde que está sendo estudado será localizado no Porto do Açu, no Rio de Janeiro. Além disso, foi assinado um memorando de entendimentos entre a Siemens, a Eletrobras e seu centro de pesquisa Cepel para estudar em conjunto todo o ciclo tecnológico de hidrogênio verde, da produção ao consumo.

Assim, o Brasil possui os recursos necessários para se tornar um importante player no mercado internacional de hidrogênio verde. Sua posição na produção de renováveis é uma vantagem competitiva importante. O mercado vem se movimentando rapidamente e anunciando estudos e projetos pilotos promissores, ao passo que o Governo Federal se estrutura para colocar em prática um plano nacional. Diante desse potencial, é essencial que o país seja capaz de criar um arcabouço legislativo e regulatório eficaz que lhe permita protagonizar a atração de investimentos e garantir a segurança jurídica necessária para investidores globais interessados em expandir sua atuação no segmento de hidrogênio na América Latina.

* Danielle Valois e Gabriela Fischer, respectivamente sócia e associada da área de petróleo e gás do Trench Rossi Watanabe

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