(Por Camila Maia, Natália Bezutti e Rodrigo Polito)
O apagão no estado do Amapá chegou ao seu 17º dia. O fornecimento de energia, principalmente na capital Macapá, está próximo aos 80% do abastecimento, o que obriga que ocorra um racionamento de energia, com o suprimento em rodízio para os bairros.
Tudo começou com o incêndio em um transformador na subestação Macapá, na noite de 3 de novembro. A subestação contava com dois dos três transformadores de 150 MVA em operação – um deles é de reserva.
O incêndio afetou o transformador TR1 e avariou o TR3. O TR2, que seria reserva, estava fora de operação desde dezembro de 2019 por falha no equipamento. Com isso, 14 dos 16 municípios do estado ficaram sem energia. Ficaram abastecidas apenas as cidades localizadas em sistemas isolados, com geração local por termelétricas.
Na noite da última terça-feira, 17 de novembro, um novo apagão atingiu o Amapá deixando 13 das 16 cidades do estado sem energia. Diferentemente do primeiro caso, não se sabe a origem do problema, mas acredita-se que tenha acontecido na rede de distribuição, cuja responsável é a estatal estadual Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). A energia foi recomposta ao longo da madrugada.
As informações mais recentes do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) indicam que a falha foi na energização da linha de transmissão Santa Rita-Equatorial, que é operada pela CEA.
1 – Como funciona o abastecimento de energia elétrica no Amapá?
A carga média para atender o consumo dos 16 municípios do Amapá é de cerca de 250 MW.
Desde que o Amapá foi interligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), em 2015, todo o abastecimento do estado é feito a partir da subestação Macapá, que é a “ponta da linha” e faz a redução da tensão de 230 kV para 69 kV, entregando a energia para a rede da CEA. Essa subestação é o ponto de conexão vital entre o Amapá e o SIN, e também para toda a energia consumida no estado (excluindo os sistemas isolados).
Ou seja: dentro do estado, a tensão é mais baixa, e a energia gerada precisa passar pelos transformadores que reduzem a tensão para que ela se adeque à rede de distribuição. É assim que se caracteriza a mudança da energia da rede de alta tensão (230 kV, da transmissora) para a baixa tensão (69 kV, da distribuidora, que atende os consumidores).
A carga é parcialmente suprida pela hidrelétrica Coaracy Nunes (78 MW), que fica dentro do sistema de 69 kV do Amapá. Quando houve o apagão em 3 de novembro, contudo, uma das máquinas da usina estava em manutenção, e ela estava operando com 50 MW. A potência foi restabelecida em 11 de novembro.
O estado possui três outras hidrelétricas, a de Ferreira Gomes (252 MW), Cachoeira Caldeirão (219 MW) e Santo Antônio do Jari (393 MW), que têm toda a sua produção de energia escoada por meio da subestação Macapá, que por sua vez, conta com três transformadores, de 150 MVA cada. Parte da energia é destinada à rede da CEA, por meio dessa subestação, que reduz a tensão de 230 kV para 69 kV, e parte da energia é escoada para o SIN, fazendo com que o Amapá seja um exportador de energia.
Antes da interligação ao SIN, o Amapá tinha termelétricas em operação, mas estas foram desmobilizadas por serem consideradas antigas e ineficientes.
2 – Qual foi o problema no abastecimento?
Em 3 de novembro, houve um incêndio no transformador TR1 da subestação Macapá, que também avariou o TR3. As causas ainda estão sendo apuradas e, segundo André Pepitone, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), um relatório sobre o assunto deve sair nos próximos oito dias.
Como explicado anteriormente, a subestação deveria contar com três transformadores em atividade, sendo um deles de reserva para o caso de falha em um dos equipamentos, para que os critérios de confiabilidade no abastecimento fossem cumpridos.
Assim, quando a subestação Amapá foi desligada, o estado se transformou em um sistema isolado – isto é, não conectado ao SIN. Como consequência, a usina Coaracy Nunes, que operava em 50 MW, precisou reduzir a potência a cerca de 20 MW, para manter a frequência do estado estabilizada.
Essa é uma questão técnica: quando o Amapá está conectado ao SIN, há estabilidade na rede, e a usina pode gerar sua capacidade máxima sem alterar a frequência. Isolada, ela precisa fazer o papel de estabilizadora da frequência, sendo obrigada a reduzir a geração de energia para evitar uma falha generalizada.
3 – Por que só dois transformadores estavam funcionando?
O terceiro transformador estava avariado para manutenção desde dezembro de 2019.
A empresa informou o ONS sobre o não funcionamento do equipamento, mas postergou por diversas vezes as datas previstas para a manutenção ser concluída.
A LMTE, responsável pela concessão, alegou em diversas oportunidades as limitações para manutenção do equipamento por conta da pandemia do covid-19.
4 – Quem é a LMTE, a responsável pela subestação ?
Inicialmente, a responsabilidade pela subestação Macapá e pela linha que fornece energia para o estado, era da espanhola Isolux – empresa que estava à frente da Linhas Macapá Transmissora de Energia (LMTE), depois de ter vencido o leilão de transmissão de 2008 no qual a linha que conectou o Amapá ao SIN foi licitada. O linhão, chamado de Tucuruí-Manaus-Macapá, tem 1.829 quilômetros e teve as obras concluídas em 2015, com um atraso de quatro anos que foi atribuído a dificuldades no licenciamento.
Em 2015, a Isolux Corsán pediu recuperação judicial na Espanha, onde ficava sua sede, e a subsidiária brasileira acabou pedindo recuperação extrajudicial em 2016, com um plano de se desfazer de seus ativos em favor de credores.
O controle da LMTE passou para as mãos da Gemini Energy no início de 2020. A empresa tem como donos o fundo Starboard (80%), especializado em ativos em dificuldade financeira, e a gestora de recursos Perfin (20%), por meio do fundo Apollo 14 Fip. A troca de controle se deu no início desse ano. A Gemini Energy tem 85,04% da LMTE, sendo o restante da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
5 – A Gemini teve que apresentar comprovações para assumir a LMTE?
Para assumir a concessão, a Gemini Energy teve que apresentar comprovação de capacidade econômica e financeira, idoneidade jurídica e fiscal, e capacidade técnica à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que por sua vez, entendeu que a empresa atendia todos os critérios e deu anuência à operação.
6 – Como foi o desempenho da empresa desde que assumiu a concessão?
Desde 2015, segundo relatório de fiscalização da Aneel, não houve intercorrências na subestação Macapá, com exceção da ocorrida em 3 de novembro. A empresa é responsável por outras três subestações: Oriximiná, Jurupari e Laranjal.
No caso da subestação Oriximiná, foram constatados desligamentos em 2015, 2016 e 2018 e, devido ao baixo desempenho até fevereiro de 2019, a empresa pagou multa de R$ 460 mil, já recolhidos pela Aneel.
Também há registros de dois desligamentos em 2015 na subestação Jurupari, e de um desligamento neste ano, na subestação Laranjal.
6 – Qual o motivo para apenas uma hidrelétrica e uma subestação cuidarem do abastecimento de todo o estado?
Segundo estudos do planejamento, uma subestação composta por dois transformadores e um terceiro de reserva, seria suficiente para suprir a carga da região. Os estudos também apontaram que caso houvesse aumento da carga, seria necessária a ampliação da subestação.
Como não ocorreu mudança de carga, não houve necessidade de ampliar o abastecimento da carga do estado. Pelos critérios do planejamento, uma estrutura maior seria considerada redundante e inviável economicamente.
No entanto, após o blecaute no estado, a Aneel determinou ao ONS que realize uma varredura em todo o Sistema Interligado Nacional (SIN) para verificar outras situações onde há apenas um ponto de conexão de suprimento para abastecimento de um estado. Um segundo ponto de suprimento seria uma das situações que estão sendo estudadas para assegurar o fornecimento, com menor custo.
7 – Quem é responsável pelo blecaute?
A causa ainda é desconhecida e, como consequência, o responsável. O Relatório de Análise da Perturbação (RAP) contendo as causas para o apagão no Amapá começou a ser produzido nesta semana (16/11) e deve ter a sua minuta publicada em oito dias.
Participam da produção desse relatório a Aneel, o Ministério de Minas e Energia (MME), Operador Nacional do Sistema (ONS), Eletronorte, LMTE e a CEA.
8 – Quem deve fiscalizar as instalações?
O processo de fiscalização das concessões, permissões e serviços de energia elétrica é de responsabilidade da Aneel, por meio de pontos de controle, que indicam ocorrências nos ativos. Assim, é dever da Aneel garantir a qualidade dos serviços prestados nos empreendimentos do setor elétrico e, por consequência, no suprimento de energia da sociedade brasileira.
Um dos pontos de controle da agência é dado por meio do ONS, que cuida da operação do sistema eletroenergético, visando o menor custo, de acordo com os padrões técnicos e os critérios de confiabilidade estabelecidos nos Procedimentos de Rede.
Também é o ONS que deve garantir que todos os agentes do setor elétrico tenham acesso à rede de transmissão de forma não discriminatória e promover uma série de estudos e ações exercidas sobre o sistema e seus agentes proprietários para gerenciar as diferentes fontes de energia e a rede de transmissão, de forma a garantir a segurança do suprimento contínuo em todo o país.
Em um sistema com múltiplos agentes, como o SIN, o ONS e a Aneel tem papel fundamental de fiscalizar a operação.
9 – Qual é o papel da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)?
A EPE atua num passo anterior à fiscalização e monitoramento. Ela tem por finalidade prestar serviços ao MME na área de estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento do setor energético, cobrindo energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, biocombustíveis e do sistema de transmissão de energia elétrica nacional.
10 – Qual o papel da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA)?
A CEA administra a rede de distribuição de energia elétrica no Amapá, dessa forma, realiza a manutenção de subestações que distribuem energia para as residências e empresas instaladas no estado, cuidando também da manutenção e supervisão da rede, que envolvem linhas e postes de energia.
A distribuidora estadual fornece energia sem concessão desde 2016, pois teve a renovação de sua outorga suspensa por não cumprir os critérios de qualidade do serviço de energia elétrica. A empresa deve realizar o leilão de privatização até junho de 2021.
Desde 2016, a CEA atua como distribuidora designada, sem um contrato de concessão. O regulador não pode declarar a caducidade da concessão (não existe concessão), mas pode aplicar multas e suspender recebíveis da Reserva Global de Reversão (RGR) para a companhia. Nos últimos anos, a CEA tem apresentado níveis elevados de perdas de energia e ineficiência na gestão dos custos, mas a Aneel tem evitado as multas por considerar que iriam prejudicar ainda mais a qualidade do serviço prestado à população.
11 – Quem é responsável pelo rodízio no abastecimento do Amapá?
Enquanto o segundo transformador não é instalado e não é possível atender 100% da carga do Amapá, foi instituído um sistema de rodízio entre os bairros dos municípios afetados. O rodízio é de responsabilidade da CEA e do governo do Amapá.
12 – Qual o papel da Eletronorte?
A Portaria nº 406 do Ministério de Minas e Energia, publicada em 6 de novembro, autorizou a contratação de até 150 MW de forma emergencial no Amapá, por até 180 dias ou prazo inferior. A Eletronorte, subsidiaria da Eletrobras, foi designada para fazer a contratação.
Os custos fixos e variáveis associados à geração de energia serão cobertos por meio dos Encargos de Serviços de Sistema (ESS). Essa cobertura será feita no âmbito da contabilização pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), observando os limites de eficiência e custo definidos pela Aneel.
13 – Quando a energia será restabelecida no Amapá?
O transformador TR3, que havia sido danificado no incêndio de 3 de novembro, teve seu funcionamento restabelecido em 7 de novembro de forma gradual. Combinado com a entrega de geradores emergenciais contratados pela Eletronorte, já é possível abastecer 80% da carga do estado, com um esquema de rodízio entre os bairros.
Para substituir o TR1, a LMTE está transportando de balsa para Macapá um transformador de Laranjal do Lari (AP). A previsão é que ele seja energizado até 26 de novembro. A entrada em operação desse transformador vai permitir o abastecimento de 100% da carga.
Os geradores emergenciais contratados ficarão no estado por até 180 dias, até que um terceiro transformador seja transportado para a região, vindo de Boa Vista (RR).
Foi necessário contratar os geradores emergenciais, pois a geração das hidrelétricas locais é conectada com a subestação Amapá, não sendo possível que ela seja escoada diretamente à rede de distribuição do estado. Antes desse escoamento, é necessário reduzir a tensão para se adequar à rede.
14 – Existe risco desse apagão ocorrer em outros estados?
As entidades do setor elétrico estão estudando o sistema interligado para verificar as conexões e os ativos de transmissão que garantem o suprimento de energia em todo o país. Também estudam gerações auxiliares em estados com poucos pontos de suprimento.
Foram levantadas dúvidas sobre a segurança do setor energético brasileiro diante da maior penetração de fontes renováveis, como eólica e solar, que são intermitentes – isto é, geram quando há sol ou vento, e não podem ser despachadas.
Um robusto estudo recém-lançado, porém, aponta que o sistema é capaz de suportar essa maior inserção com a malha de transmissão atual, não sendo esse um fator de risco para desabastecimento de energia.
O estudo, que foi desenvolvido por um consórcio internacional, incluindo empresas, consultorias e entidades setoriais brasileiras e alemãs no âmbito da Cooperação Brasil Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, aponta que a rede de transmissão brasileira é suficiente para estabilizar a frequência mesmo em casos de oscilação da geração de fontes renováveis.
Veja abaixo outras matérias sobre o tema, em ordem cronológica, que não estão em links desse FAQ:
– MME institui gabinete de crise para apurar interrupção de 250 MW no Amapá
– Apagão no Amapá influencia debate sobre privatização da Eletrobras;
– Carga é parcialmente reestabelecida no Amapá; crise continua;
– Amapá pede que energia produzida no estado não seja compartilhada no SIN;
– Apagão gerou prejuízo de R$ 190 milhões ao Amapá, diz CNE;
– Oliveira e SoEnergy fornecerão energia emergencial ao Amapá;
– CMSE autoriza a contratação emergencial de mais 60 MW no Amapá
– Aneel promete rigor na apuração do apagão no Amapá;
– Justiça do Amapá afasta diretorias da Aneel do ONS; agências recorrem.