Para a Shell, Brasil não precisa de eólicas offshore para avançar em hidrogênio verde

Maria Clara Machado

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Maria Clara Machado

Publicado

06/Dez/2023 11:30 BRT

O Brasil não depende de eólicas offshore para gerar energia para abastecer plantas de hidrogênio verde, por ter uma matriz predominantemente renováveis. A opinião é do presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto da Costa, que conversou com jornalistas nesta terça-feira, 5 de dezembro.

Segundo Costa, os gargalos para o desenvolvimento da indústria de hidrogênio no país estão na regulação e na falta de um grande cliente que assuma a demanda necessária para um investimento deste porte.

“Tenho conversado bastante com atores do Brasil – Vale e Petrobras em particular. Você precisa de alguém grande ancorando demanda para que o projeto seja viável. Vejo a Petrobras e a Vale como dois atores importantíssimos com demanda para esse combustível”, disse o executivo.

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Na Holanda, a Shell anunciou o projeto Hydrogen Holland 1, com capacidade de geração de 60 toneladas de hidrogênio por dia e que será abastecido por energia da usina eólica offshore Hollandse Kust (noord). “A Shell não conseguiu nenhum cliente que assinasse contrato firme de longo prazo que remunerasse o capital de investimento, por isso tomamos 100% da capacidade para nossas operações”, disse Pinto da Costa. O hidrogênio verde produzido será usado em refinarias da Shell, atualmente abastecidas com gás natural.

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No Brasil, a Shell também garantiu a demanda para a implantação das primeiras plantas de etanol de segunda geração da Raízen, ao encomendar 3,3 bilhões de litros do combustível, segundo o executivo. “Boa parte do que a gente comprou está sendo levada para mercados como Europa e Estados Unidos, onde vários clientes da Shell estão demandando este produto. É importante na jornada de descarbonização”, comenta.

“Se transição energética for acelerada, percalços vão acontecer”

Apesar de não achar as eólicas offshore estritamente necessárias para hidrogênio verde no Brasil, a Shell tem 17 GW em projetos de eólicas offshore protocolados junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Desde então, a gente viu um avanço menos acelerado do que o mercado gostaria no marco regulatório”, avalia Pinto da Costa.

Mesmo assim, os 17 GW não devem se converter integralmente em projetos. Segundo o executivo, a solicitação dos licenciamentos foi também uma maneira de se antecipar frente aos concorrentes. “É a forma como o Ibama funciona. O primeiro que coloca tem a primeira resposta. Se você perder muito tempo para protocolar, fica no final da fila. Por isso a gente avançou, como outros fizeram também”, disse.

Quando a regulação estiver definida, os projetos ainda passarão por avaliação de viabilidade técnica e econômica – que, no momento, não é muito animadora, na avaliação de Pinto da Costa.

“A indústria de eólica offshore no mundo passa por um momento desafiador. Várias companhias anunciaram impairments (desvalorização de ativos) ou write-offs (perdas). A Orsted, um dos maiores desenvolvedores, teve um desafio grande com queda substancial no preço de ação”, comentou Pinto da Costa.

Segundo ele, um dos gargalos está na indústria de suprimentos. “É outro ponto da transição energética. Se você acelerar demais e não conseguir substituir um sistema de fornecimento de energia que foi construído ao longo de décadas, na mesma velocidade e com novos sistemas, esses percalços vão acontecer”, disse o presidente da Shell Brasil.

Projetos solares e expansão de Marlim Azul dependem da demanda

Além do portfólio em eólicas offshore, a Shell Brasil tem cerca de 3 GW em “sete ou oito” projetos solares no país, que têm entre 150 MW e 550 MW de capacidade planejada. Anteriormente, a empresa já havia anunciado projetos na área.

A decisão final de investimento deve ser tomada até 2030, a depender das condições do mercado – e o executivo lembrou que atualmente o preço da energia no Brasil está baixo. A mesma lógica funciona para uma eventual expansão da térmica Marlim Azul, da qual a Shell é sócia.

Prime Energy coexistirá com Shell Energy Brasil

Em energia elétrica, Cristiano Pinto da Costa também comentou a compra do Grupo Prime Energy pela Shell. Guilherme Perdigão, que estava na posição de diretor de Geração de Energia da Shell Brasil, foi nomeado presidente da Prime Energy.

O grupo adquirido coexistirá com a Shell Energy Brasil, marca da Shell voltada para energia elétrica, gás natural e produtos ambientais. Segundo Cristiano Pinto da Costa, o Prime é consolidado no mercado brasileiro, e ganha ainda mais força com a marca e a robustez financeira da Shell.

“Gera uma capacidade competitiva para a Prime em alguns leilões. Tivemos um exemplo essa semana em que a Prime por si só não se classificaria nos critérios como potencial fornecedor mas, com o peso da marca e do balanço da Shell, conseguiu ganhar um contrato importante”, disse, sem comentar o nome do cliente.

Em upstream, a produção da Shell Brasil corresponde a 30% do grupo inteiro

Apesar de toda a movimentação em energia elétrica, a Shell não esconde que continuará explorando petróleo. Pinto da Costa menciona que os hidrocarbonetos continuarão sendo necessários durante a transição energética e que fazem parte uma “transição justa”, sobretudo em economias em desenvolvimento.

Ele avalia que a continuidade dos projetos dependerá da sua competitividade em termos regulatórios, de custo operacional e de intensidade de carbono. As operações do Brasil têm baixas emissões, o que torna o país competitivo se as condições regulatórias continuarem competitivas. “Credencia o óleo e gás brasileiro a ser um dos últimos a pararem de produzir”, diz.

A Shell Brasil deve encerrar 2023 com produção média de 400 mil barris de óleo equivalente por dia, fatia importante dos cerca de 1,4 milhão de barris da produção global da companhia. É mais do que a empresa produz, por exemplo, no Golfo do México. Este desempenho posiciona a operação brasileira entre as “três ou quatro” melhores do grupo Shell, segundo Cristiano Pinto da Costa.

No Brasil, a empresa participa de seis concessões em produção, e mais uma em descomissionamento (Bijupirá e Salema). A Shell é operadora em BC-10 (Parque das Conchas, na Bacia de Campos), que alcançou nesta segunda-feira, 4 de dezembro, a produção projetada para 2023, de 9 milhões de barris. Em 2022, o ativo recebeu ofertas de compras, mas foi mantido no portfólio da Shell.

Nos ativos exploratórios, a empresa avalia tomar decisão final de investimento sobre Gato do Mato (Bacia de Santos) até o primeiro trimestre de 2025. Em 2022, o projeto foi paralisado diante da pressão inflacionária de um mercado aquecido. O escopo de engenharia foi reavaliado e deve tomar cotações no mercado em 2024. A partir dos orçamentos recebidos, a decisão de investimento será tomada.

Gato do Mato é operado pela Shell em parceria com Ecopetrol e TotalEnergies, e tinha previsão de produção de 100 mil barris de óleo equivalente por dia – que pode ser alterada na revisão do projeto.

A empresa também acaba de concluir uma campanha exploratória no campo de Suçuarana, onde foram encontrados hidrocarbonetos, e opera agora uma campanha de sísmica na Bacia de Santos, com resultados previstos para 2024.

Margem equatorial

A Shell ainda participa em oito concessões na Margem Equatorial, sendo duas na Bacia Potiguar (litoral do Rio Grande do Norte e Ceará) e seis em Barreirinhas (litoral do Maranhão), mas não tem planos de explorar a região em 2024.

“A discussão é como implementar o escopo de trabalho acordado no leilão diante das restrições impostas pelo governo em relação à liberação da licença”, comentou Pinto da Costa a respeito das discussões em andamento a sobre as atividades na região.

A empresa não tem áreas na Foz do Amazonas, que tem sido o foco principal dos impasses sobre licenciamento ambiental – a Petrobras já conseguiu, por exemplo, autorização para perfurar na Bacia Potiguar, que também faz parte da Margem Equatorial.

Assim como diversos agentes do setor de óleo e gás, o presidente da Shell Brasil avalia que a exploração na região é importante para conhecimento de seu potencial econômico e, caso a tendência observada na Guiana e Suriname se repita no Brasil, repor as reservas nacionais de óleo e gás.